UMA DOR SEM ADJETIVO

Por Ramalho Leite

Alguém me mandou dizer pela net: quando um pai morre, deixa órfãos. Quando falece um marido, nasce uma viúva. Quando morre um filho não há substantivo ou adjetivo que qualifique essa perda. Estou procurando palavras para descrever a dor que senti ao ver sepultar meu filho mais novo, vítima da violência das estradas. Para nascer, pulou apressado do ventre da mãe, só dando tempo ao médico colocar as luvas. Eu entrava ainda na sala de parto, por isso foi o único filho que não vi nascer. Se tinha pressa para viver, viveu feliz com a família que constituiu e amava acima de todas as coisas. Se entrou apressado no mundo, foi embora cedo demais, esse filho que eu amava tanto.

Filho de políticos, nunca utilizou as benesses que o poder poderia oferecer. Lutou para conquistar seu lugar ao sol. Trabalhou em empresa privada, submeteu-se a concursos públicos e colocou sua inteligência e capacidade a serviço da causa da justiça. Era um revoltado com as injustiças. Costumava me procurar para que eu ajudasse um conhecido em dificuldade. Não precisava ser amigo dele, bastava que tomasse ciência da sua história. E quantos desses seus interlocutores eu não atendi e resolvi problemas. Preocupava-se mais com o próximo do que consigo mesmo. Era religioso e tinha absoluta fé em Deus e nos seus desígnios.

Quando criança foi vítima de um medicamento aplicado em dose excessiva. Corri em busca de Fernando Cunha Lima, seu pediatra. O socorro lhe salvou a vida mas deixou sequelas visíveis em um tique nervoso que não o largou até a morte. Agora o poeta Fernando me manda um poema em homenagem ao seu pequeno cliente: Hoje essa dor maior a te afligir,/Bem maior do que uma punhalada,/E dor como paixão fica marcada,/Dentro do peito sem querer sair. E conclui: Apenas pede a Deus compreensão/pra suportar tamanha provação/De Pai pra Pai ao enterrar teu filho/. Agradecido ao poeta, chorei por ele não poder, pela segunda vez, salvar a vida do meu filho.

Flávio era a alegria em pessoa. Onde chegava dominava o ambiente com seu afeto contagiante. Por onde passou só fez amigos e todos eles choram a dor da sua partida. Companheiros que o conheceram nos colégios Pio XII e Pio X, na Faculdade de Direito da UFPB, da antiga TELPA ou no TRE estiveram a rememorar passagens, gestos e atitudes do seu comportamento exemplar como amigo solidário e afetuoso. Recebi milhares de mensagens e foi impossível responder a todas, uma a uma.

Perdi também o meu maior admirador. Tudo que eu fazia, escrevia ou publicava era motivo de seu orgulho. Muitas vezes, lhe entreguei a primeira leitura de meus trabalhos. Ele também fazia o mesmo, e só depois, mandava os seus escritos à publicação. Seus trabalhos técnicos revelavam um estudioso do direito eleitoral, preocupado em descobrir a verdade e ver realizada a justiça. Alguns sítios da internet a nível nacional, publicaram sua obra, esporádica mas na direção da melhor verdade.

Agora devo procurar o aconchego das minhas netas. A vida pública costuma nos afastar da família. Flavio chegou a proclamar essa sua mágoa em trabalho escolar. Lamentava não ter o pai por perto em todas as horas, para o cinema, para o futebol ou para buscá-lo na escola. Essa dívida eu procurei pagar me aproximando mais do homem que se tornou. Mas perdi grande parte da sua alegria infanto-juvenil. Que Deus me dê uma vida mais longa. Eu preciso pagar a minha netas o carinho que não dei ao pai delas.

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