VAMOS FALAR DE TRENS

Por Ramalho Leite

O trem chegou a Bananeiras em 1925. Solón de Lucena, contrariando seu cunhado Celso Cirne, (queria que o trem aportasse em Moreno/Solânea), profetizou: “O trem chegará a Bananeiras nem que seja por debaixo da terra”. A construção do túnel da Serra da Viração levou dez anos. Enquanto isso, desde 1913, o comboio de ferro despejava seus passageiros na Estação de Borborema e, depois, em Manitú. Cavalos selados esperavam os passageiros para levá-los a Bananeiras, território fértil dos Barões do Café.

A linha de ferro Independência (Guarabira) a Picuí constituía uma linha de penetração nos sertões da Paraíba e do Rio Grande do Norte e, por essa razão, sua construção foi confiada à Inspetoria de Obras Contra as Secas.A Great Western, companhia inglesa que participou da nossa história, abandonara o trecho e não cumprira o contrato inicial de 1909. Posteriormente, em 1922,por novo contrato, os ingleses se obrigaram a construir o trecho entre Borborema e a Boca do Túnel. Este estava sendo construído pelo Governo. Era obra de Epitácio e seu parente Solón.

A construção de ferrovias de propriedade da União não deveriam ter “o intuito de proporcionar lucros diretos ao Estado”, mas aproveitar os lucros indiretos advindos do incremento econômico proporcionado pele rede ferroviária. Daí, seu arrendamento aos ingleses até 1960, quando seria devolvida ao patrimônio federal sem direito a quaisquer indenizações. O governo não agüentou muito tempo e, de logo, em 1967, extinguiu os ramais considerados deficitários. Obra de Juarez Távora e da “redentora” de 64.

A linha da Paraíba (João Pessoa) a Alagoa Grande, teve sua construção concedida pelo governo imperial ao conselheiro Diogo Velho, ao bacharel Anísio Carneiro da Cunha e ao engenheiro André Rebouças. No contrato, uma ramificação para Ingá e Independência. Essa concessão foi depois transferida para a Ferrovia Conde d´Eu, organizada em Londres em 1875. O Conde d´Eu era marido da Princesa Isabel, estigmatizado por ser estrangeiro,era impopular até dizer basta.O sotaque Frances ajudava sua imagem negativa. A linha da Conde D´Eu terminava em Guarabira. Esses mesmos incorporadores conseguiram financiamento do Governo para um ramal até Cabedelo. Para André Rebouças, o porto de Cabedelo, o mais oriental do Brasil, seria futuramente a “estação marítima do maior caminho-de-ferro inter-oceânico da América do Sul.”.

Em 1883, o trem chegou a Mulungú e, no mesmo ano, a Pilar, a tempo de ser apreciado pelo menino de engenho Carlinhos e seu companheiro de folguedos, o moleque Ricardo, compondo o cenário de Zé Lins do Rego. Somente em 1884 seriam inauguradas as estações de Cachoeira e Independência. Cabedelo só viu o trem em 1889. Era nesse terminal que deveria aportar o café de excelente qualidade produzido em Bananeiras, Serraria e Areia. A ciclópica construção do túnel favoreceu a ação do ceracocus parahybensis e as plantações de café foram dizimadas.Quando o trem atravessou o túnel e parou em Bananeiras, não havia mais café para ser transportado.

Devo a mim mesmo um estudo mais alentado sobre a implantação das linhas de trem na nossa região, e sua influência na mudança dos costumes locais. Não preciso lembrar que nasci na beira da linha, e o apito do trem, talvez tenha sido o primeiro som que meus ouvidos escutaram. Neste texto, compilei apenas alguns dados da Historia de Uma Estrada de Ferro do Nordeste, de Estevão Pinto, escrito a pedido de Gilberto Freyre. Descobri o documentário através de um sebo eletrônico. Comprei um exemplar que pertenceu a Clemente Mariani, ex-ministro da Fazenda de Jânio Quadros. O autor escreveu simpática dedicatória: “Ao eminente político Ministro Clemente Mariani, com a homenagem e admiração de Estevão Pinto.XII-Recife”. A admiração, ao que parece, não era recíproca: o Ministro, além de vender o livro no sebo, deixou para mim a tarefa de abrir suas páginas ainda virgens.

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