Por Zizo Mamede
O povo não está nem aí para a pauta da reforma política. Aos milhares, as pessoas foram às ruas em 2013, em 2014 e em 2015, mas em nenhum momento colocaram que o país precisa fazer mudanças institucionais para qualificar a nossa jovem democracia. Quem se mostra insatisfeito com a atual representação política nem sempre quer solução pela via política.
Quem propôs a reforma política com a participação direta da população através de um plebiscito foi Dilma Rousseff. Mas a presidenta foi prontamente boicotada pela maioria no Congresso Nacional e na mídia. As forças vivas da sociedade civil que propuseram uma plataforma de reformas progressistas, para democratizar a democracia, não obtiveram repercussão nacional.
Na campanha presidencial de 2014 a candidata Dilma Rouseff botou novamente o tema da reforma política na agenda. Mas, obteve votos e foi vitoriosa muito mais pelas realizações dos governos petistas e pelo temor do eleitorado de que houvesse um retrocesso com o PSDB do que pela insistência na proposta de mudar para melhor as regras da democracia.
Os arautos do discurso conservador conseguiram deformar as primeiras manifestações de junho de 2013: alcançaram o objetivo de incutir na cabeça da maioria que a corrupção é o inimigo público número 1 do Brasil. Assim sendo, tudo ficando muito simples com a identificação do inimigo. Basta que os justiceiros atuem para exterminar a corrupção para que os demais problemas, os demais medos sejam sanados, o que é um engodo.
Enquanto o povo acredita que a corrupção é o problema maiúsculo, os sonegadores, que neste ano de 2015 roubarão 500 bilhões de reais dos contribuintes e do Estado brasileiro, farão a festa, ficarão mais ricos com o dinheiro público que será depositado em bancos transnacionais fora do país. – A propósito, a Operação Zelotes e a CPI do HSBC não estão na mídia porque atingem os donos do capital e da mídia.
Enquanto o povo foca os olhos e todos os sentidos, a razão e sentimentos na corrupção dos políticos, no inimigo número 1 como se fosse o único, os donos dos papeis da dívida pública interna farão o banquete com mais de 1 trilhão de reais, cerca de 40% (quarenta por cento) do orçamento da União a serem pagos de juros, amortizações e rolagem da dívida durante o ano de 2015. E o banquete continuará ano após ano.
Mas, enquanto o povo acompanhava indignado pela tela de TV o espetáculo do combate à corrupção, das urnas de 2014, pelos votos ou omissão do povo, emergia uma grande maioria de deputados e senadores eleitos com a força do dinheiro e com propostas mais conservadoras para enfrentar os problemas do país.
O parlamento brasileiro agora é dominado pelas bancadas da bala, da bola, dos bancos, do latifúndio, dos homofóbicos, das empreiteiras, dos corruptos. O Congresso está dominado pelos chamados achacadores. As duas casas do Congresso Nacional são dirigidas pelos caras que melhor representam esse retrocesso político, Cunha e Calheiros.
O povo comeu corda. O povo foi na “Onda”. O povo deu bobeira. O povo caiu na falácia do combate de morte contra a corrupção. O povo caiu no engodo da anti-política. O povo não entendeu que não há solução fora da política e da democracia. O povo fez o jogo dos corruptos, dos sonegadores e dos agiotas da dívida pública.
Enquanto o povo esbraveja e acusa que todo político “calça 40”, os deputados e senadores eleitos em 2014 com a força do dinheiro e do discurso fácil e falacioso querem deformar ainda mais a democracia com mudanças que darão muito mais força aos políticos que contam com o dinheiro para comprar apoios, correligionários e mandatos.
Vem aí a proposta de Cunha e Calheiros: transformar de vez a democracia brasileira em plutocracia, o poder dos ricos: Voto distrital para o poder legislativo. Cada vaga nas câmaras de vereadores, nas assembleias legislativas e na Câmara Federal será disputada como eleição majoritária. Colada a esta proposta do voto distrital vem também a proposta de manter e aprofundar o financiamento de campanhas eleitorais com dinheiro de “doações” de empresários e empresas.
Em vez da reforma política proposta pela presidenta Dilma Rousseff ou pela sociedade civil, com fim do financiamento empresarial de campanhas e partidos, com o fim da coligação nas eleições para os parlamentos, com o voto proporcional em lista, com a criminalização do “caixa 2”, está em curso a deforma da democracia, encaminhada por Cunha e Calheiros para dar mais poder a quem tem o poder do dinheiro.
Enquanto isso, o bravo povo brasileiro que bate panelas (só vai à própria cozinha se for para bater panelas) contra Dilma, o povo que se paramenta com a camisa da CBF para protestar, esse povo continua com a sua vigília cívica em defesa do Brasil. Dos seus lugares por sua vez, corruptos, sonegadores, agiotas oficiais e achacadores riem baixo e murmuram por entre os dentes: “Bravo! Otários!”