Por Zelito Nunes
José Balduíno nasceu num lugar chamado Junco, numa dessas inserções que a Paraíba faz no Rio Grande do Norte, nos tornando ainda mais irmãos na seca, na fome e na pobreza, mas sempre irmãos.
Mudou-se pra São José do Egito ainda muito moço quando adotou e foi adotado pela cidade .
Zé dirigiu na vida tudo que se movesse sobre rodas. Foi caminhoneiro de muitas estradas por este “gigante pela própria natureza” e depois, se achando velho para a estrada, largou o caminhão e passou pra veículos menores.
Quem não conheceu Zé Melé certamente deixou de conhecer um pedaço de São José do Egito.
A sua irreverência e a maneira totalmente descomprometida com que sempre conduziu a sua atribulada vida, fizeram dele um sujeito diferente. E o curioso é que as suas estripulias não chegaram a causar grandes estragos a ninguém, sequer a ele mesmo.
Depois de enfrentar muitas paradas, acabou perdendo para uma traiçoeira parada cardíaca aos cincoenta e poucos anos de vida, deixando um vazio abissal nas conversas da rua da Baixa e do Elite, seus pontos prediletos na cidade.
Para Zé, se a vida foi breve, teve toda ela a intensidade e a marca do seu caráter e da sua ousadia .
Seu André de Brito, dos Britos de Pesqueira, na década de sessenta era proprietário de uma égua que ganhava todas as corridas na região. Era uma estrela de categoria internacional e costuma desmoralizar os bons cavalos de prado por onde passava, aumentando o patrimônio do seu dono. Seu André cuidava dela como de uma filha.
Uma vez, passando, por Afogados da Ingazeira e Tabira, onde “alisou” os matutos de lá, procurava um caminhão que levasse o animal até a Fazenda Ipojuca onde morava, quando apareceu Zé Melé que propôs levar a valiosa mercadoria no seus velho caminhão.
Depois de dar todas as garantias de que o animal chegaria são e salvo, “pode deixar seu André eu tô acostumado a transportar cavalo de raça, pode ir simbora tranquilo que sua égua chega lá”. Acertaram o frete, ele improvisou um engradado com pendões de agave, chamou um ajudante e caiu na estrada rumo à fazenda Ipojuca que ficava perto de Arcoverde .
A viagem corria tranquila, quando entrando na cidade de Arcoverde, o caminhão caiu num buraco, a égua espantou-se, quebrou o engradado, pulou no chão e, como não era o seu dia, caiu debaixo dos pneus traseiros do velho Ford.
Zé, devido a velocidade, só parou a alguns metros, quando desceu para avaliar o desmantelo.
A eguinha tava lá “contando as estrelas” com os cascos, tinha acabado de morrer ali de maneira banal, o animal de corridas mais famoso dos últimos tempos e o mimo de seu André .
Zé desceu do caminhão já cercado de curiosos e não se abalou nem um pouco. Pelo contrário. Se dirigiu a um circo que estava acampado nas imediações e já foi negociar as carnes nobres da campeã com o dono do estabelecimento para alimentar os famintos leões que já haviam devorado todos os gatos da cidade.
O seu companheiro de empreitada, a essa altura, conhecedor da valentia do dono do animal e medindo a intensidade da tragédia, não conseguia parar de tremer as pernas quando recebeu de Zé o seguinte comando:
– Fulano, te prepara aí que nós vamos agora direto pra a Ipojuca, eu não vou perder este frete não! Acidente é acidente!
O ajudante, descendo do caminhão como quem vai fugindo de um tiroteio, ainda lhe respondeu:
– Vou contigo não Zé, Tu vais sozinho, eu volto pra casa no “dedinho”, vou até a pé. Mas na Ipojuca eu não vou contigo não!.
Zé Melé não desistiu e subiu a serra em direção à grande fazenda e lá chegando foi logo reconhecido pelo velho fazendeiro que deu ordens a seus cabras armados de rifles para receber a tão esperada encomenda .
Zé desceu do caminhão e foi logo dando a notícia com a naturalidade que lhe era peculiar:
– Seu André, eu não tenho uma notícia muito boa pra lhe dar não !
– Foi minha égua?
– Foi sim senhor! Ela caiu do caminhão …
– Não dê mais uma palavra, eu só quero ver agora a placa traseira desse caminhão. Desapareça antes que eu mude de idéia.
Zé entrou na cabine, engatou uma “primeira”, passou pelos cabras dos rifles e sumiu no giro do Pajeú que o “rabo era um v”.