FERNANDO E GUSTO, DOIS MATUTOS NA CIDADE GRANDE

Por Zelito Nunes

Luiz Augusto e Fernando Robson são meus sobrinhos e, na década de 80, vieram estudar aqui no Recife.

Muito unidos, andavam sempre juntos (a pé), posto que não tinham carro nem dinheiro pra ônibus, muito menos pra táxi, “lascados” que eram.

Como moravam perto do centro, percorriam sempre a pé o trajeto que os levava ao colégio onde estudavam.

Vez por outra, se aventuravam a dar umas voltas pela “cidade”, que é como chamávamos e ainda hoje se chama o centro do Recife.

Só que, por serem muito, mas muito do mato, acabavam trazendo boas histórias pra casa.

A Avenida Conde da Boa Vista, naquela época, era o “Shopping” da cidade, com as lojas e butiques mais chiques e caras das Américas, coisa pra gente rica, usineiro.

Pois bem, um dia faltou açúcar na nossa pobre república e o diligente Gusto percorreu toda a Conde da Boa Vista, procurando uma bodega onde vendesse o produto. Ainda bem que não perguntou a ninguém, se tinha bodega por ali, ia findar apanhando por tal heresia.

Outra vez, iam ele e Fernando lá pela Sete de Setembro, em pleno coração da Boa Vista; dois bichos do mato, passadas longas, ombros arreados, cara pra cima, medindo a altura dos edifícios, e deram com uma enorme fila, que dobrava uma esquina e findava na frente de um banco.

Era o pessoal do PIS, que acabara de ser implantado; estavam ali pra se cadastrarem ou coisa afim.

Curiosos, ficaram observando a certa distância, quando Gusto resolveu ir até lá pra saber o porquê de tanta gente junta ali.

E lá vai Gusto, matutão, e ainda meio mouco (herança de família), se aproxima de uma mulher e pergunta:

– Minha senhora, o que é isso aí?

E a mulher:

– É a fila do PIS.

Gusto volta e Fernando pergunta:

– E aí Gusto?

– Sei não, não ouvi direito, nas parece que é a filha do bispo que tá chegando ali.

Outra vez, os dois, já mais malandros, estudando em Campina Grande, vão passando na Praça da Bandeira, no centro da cidade, quando avistam aquela roda de gente e, no meio, um brejeirinho meio troncudo, moreno, com os cabelos pretos lisos nos ombros, olhos meio puxados, nu da cintura pra cima, fazendo piruetas e dando saltos mortais.

Era um “índio” do Amazonas que desafiava os nativos dali pra quem mantê-lo com por mais de cinco minutos amarrado.

O “índio”, certamente nascido ali pelo Anel do Brejo, era o satanás de rabo e ninguém conseguia prendê-lo por mais de cinco minutos.

Aqueles amarelinhos, ali da plateia, acostumados a atarem pés de galinha, eram café pequeno para o desafiante, que saía com a corda na mão desafiando os presentes.

Foi quando, pra sua desgraça, deu com aqueles dois bichos do mato, acostumados a amarrar boi, burro, feixe de lenha e até carga de palma em carro de bois, que é a coisa mais difícil de amarrar no planeta Terra.

O “índio” esfregando corda e ninguém quer mais ficar desmoralizado, quando ele tem o azar de peitar com Fernando.

– Bora amarrar esse “coisado” Gusto?

– Bora.

Gusto pegou a corda, mandou o “índio” juntar os mocotós e já deu ali dois nós cegos que nem peixeira amolada desatava.

Passou a corda pra Fernando, que já foi juntando os pulsos do desgraçado noutra armadilha fatal.

A essa altura, toda plateia em silêncio e o artista já com cara de desgosto, quando Fernando, achando pouco, deu uma laçada, com o resto da corda, nos punhos do índio, passou a corda por dentro, passou pelos pés e puxou, dando um nó “cearense”, daqueles de carga de caminhão.

O pobre do “índio” foi se vergando, curvando, e com a cabeça já junto aos pés, ainda teve tempo de murmurar baixinho, no ouvido de Fernando:

– Por caridade, deixe eu ganhar a minha feira…

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